Reportagens
O Projeto Goeldi possui um extenso acervo das poucas entrevistas que Oswaldo Goeldi concedeu durante sua vida.
Goeldi - Poesia Gravada
Goeldi - O Encantador das Sombras
Além das entrevistas, artigos e reportagens póstumas realizadas pela midia nacional e internacional.
Algumas citações
Museu em Pauta
Arte em Branco e Preto de Goeldi
Arte e historia
XXIV Bienal
Espaço Cultural BM&F
Arte Moderna
TNT Arte
Biblioteca Nacional
Intercidadania
ARTIGO:
Critica Review "A maneira pela qual suas linhas brancas vivificam a preta escuridão das suas gravuras, é um milagre. São visões maravilhosas, fixadas por meio de redução extrema. Resultado de sua estupenda constância, é uma arte altamente viril, revelação de um mundo que não pode e não deve ficar esquecido. Muita coisa ainda espera você: o que só lhe poderá dar a velhice. Mas nas gravuras que representam o mar e os peixes, já está perfeito o que eu nunca tinha visto: a noite profunda e uma vida inteiramente realizada." Carta de Alfred Kubin a Goeldi, 7 de janeiro de 1951 (reproduzida por Otto Maria Carpeaux; in "Retrospectiva de Goeldi no Museu de Arte Moderna", Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 2 de outubro de 1956). Expressionista e utilizando-se da gravura, técnica muito pouco praticada e valorizada, mantendo-se ainda contrário à política cultural modernista, sua posição seria necessariamente marginal.
No entanto, isto não significa que a obra de Goeldi deixe de ser um dos produtos mais representativos da arte brasileira, justamente por constituir a outra possibilidade do espaço modernista. Sua profunda pertinência à arte brasileira está na sua vivência de fatores próprios à existência da arte na nossa sociedade e na sua capacidade de rearticulá-los produtivamente, indo desde a improvisação de procedimentos técnicos até os seus significados mais amplos: se o Modernismo buscou nacionalizar o internacional, Goeldi apreendeu no nacional sua dimensão universal. Carlos Zilio, "O outro do Modernismo", in Oswaldo Goeldi, Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica (catálogo de exposição). (textos publicados no catálogo da exposição "Bienal Brasil Século XX", Fundação Bienal de São Paulo, 1994) "A cor no modernismo brasileiro - a navegação com muitas bússolas" (...) Guignard e Goeldi, despreparados para os programas oficiais e para a banda de músicas da vanguarda ruidosa, foram marginais no modernismo brasileiro. Goeldi, com suas afinidades com o expressionismo alemão, jamais poderia ser confundido com um artista europeu.
Nem Munch nem qualquer expressionista alemão desenvolveu um método de construção da cor que pudesse ser comparado ao seu. Para Oswaldo Goeldi, Cobra Norato, de Raul Bopp, marca seu discreto contágio pela antropofagia. A obra faria parte da Bibliotequinha antropofágica a ser apresentada no Congresso Mundial de Antropofagia em Vitória (1929). Goeldi dedica sua edição a Tarsila. Formigas trafegam pelo texto.
Essa inesperada intromissão foi inspirada nas ilustrações de Pierre Pinsard para “Petits contes nègres pour les enfants des blancs” (Pequenos contos negros para os filhos dos brancos)30, de Blaise Cendrars, que em 1937, ano da edição de Cobra Norato, ofereceu um exemplar a Beatrix Reynal, com quem Goeldi vivia31. O corte de Pinsard é amaneirado, enquanto a formiga de Goeldi surge de talhos vigorosos. Os animais no livro europeu respeitam o território do texto, enquanto as formigas de Goeldi invadem a escrita como construção e curso da linguagem. Goeldi desenvolveu singulares processos constitutivos da cor. A xilogravura de Goeldi é pintura.
O artista criou uma complexa arquitetura da cor, delimitada inicialmente pelo corte. O entintamento da matriz é decisivo, já calculado na escavação da madeira até a fase da administração da quantidade e qualidade da tinta na mesma matriz. Recorre a transparências e superposições de impressões. A matriz também pode receber tinta preta para ser retirada, porém resíduos devem permanecer para a produção de sombra na própria cor. Inventa possibilidades, como colocar um papel colorido (podendo ser pintado pelo artista ou não) para que sua cor se filtrasse através da transparência do papel japonês, cujas fibras também têm valor plástico.
Esse suporte secundário, sendo laranja, filtra-se em ocre ou salmão claro, quebrando o branco agudo do papel. Cada cópia será, pois, uma experiência única. Goeldi constrói fisicamente a cor para realizar seus fins morais. A percepção afiada de Goeldi gera uma experiência fenomenológica da luz. Ferir a madeira é iluminação. O temário goeldiano é velhice, abandono, espera, solidão, frio, trabalho, fantasias noturnas. Instaura contrastes entre a temperatura sangüínea e fria, entre sangue e gelo ou entre o vermelho e verde.
A densidade de temperatura se obtém na relação com as áreas abertas negras e brancas. É possível pensar numa melancolia solar na obra de Goeldi, que não trata da floresta, da cidade soturna, da chuva, do mar bravio e dos interiores. É o caso de Sereia do mar e Guarás. Para Goeldi, a luz cegante, sofrida, excessiva, mínima, submetida à opacidade, filtrada pela umidade era a experiência fundamental, constitutiva do olhar como hipótese de apreensão do mundo. Carlos Drummond de Andrade cantou ser Goeldi o pesquisador da noite moral sob a noite física. É nesse mesmo país que João Cabral de Melo Neto escreve um poema chamado "Sol negro": "re-ser em tal escuridão é como navegar sem bússola".
A posição de Goeldi sobre o primitivismo aproximava-o dos expressionistas austríacos, como Kokoshka ("Eu não sou um selvagem. Eu teria que viver como eles para que a minha imitação fosse genuína."). Isso também explica sua longa amizade com Kubin. Não foi por se ver integrado com alguma cultura tribal, mas por perceber a distância do ambiente europeu, que Goeldi declarou que se sentia como Gauguin na ilha quando retornou ao Brasil em 1918, vindo da Suíça. Gauguin, diz Kirk Varnedoe, reflete a passagem da arte tribal do domínio das "ciências naturais", marcadas por Darwin, para o mundo dos valores estéticos ocidentais. O pai de Goeldi, um cientista, reorganizou a Sociedade Filomática de Belém (atual Museu Goeldi) como instituição científica, introduzindo o darwinismo nos estudos da Amazônia.
Vivendo nos trópicos, Goeldi não teve, como outros expressionistas, a relação utopista com as sociedades "primitivas". A infância em Belém e a figura paterna definem a impossibilidade de se seduzir pelo exótico. No espaço da utopia, Goeldi encontrou melancolia, fosse na selva ou na cidade. Notas: 30. Blaise Cendrars, Petits contes nègres pour les enfants des blancs, Paris: Au sens pareil, 1929. 31.
O exemplar encontra-se na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. (trecho do texto curatorial de Paulo Herkenhoff publicado no catálogo da XXIV Bienal de São Paulo, 1994)
Goeldi - Poesia Gravada
Goeldi - O Encantador das Sombras
Além das entrevistas, artigos e reportagens póstumas realizadas pela midia nacional e internacional.
Algumas citações
Museu em Pauta
Arte em Branco e Preto de Goeldi
Arte e historia
XXIV Bienal
Espaço Cultural BM&F
Arte Moderna
TNT Arte
Biblioteca Nacional
Intercidadania
ARTIGO:
Critica Review "A maneira pela qual suas linhas brancas vivificam a preta escuridão das suas gravuras, é um milagre. São visões maravilhosas, fixadas por meio de redução extrema. Resultado de sua estupenda constância, é uma arte altamente viril, revelação de um mundo que não pode e não deve ficar esquecido. Muita coisa ainda espera você: o que só lhe poderá dar a velhice. Mas nas gravuras que representam o mar e os peixes, já está perfeito o que eu nunca tinha visto: a noite profunda e uma vida inteiramente realizada." Carta de Alfred Kubin a Goeldi, 7 de janeiro de 1951 (reproduzida por Otto Maria Carpeaux; in "Retrospectiva de Goeldi no Museu de Arte Moderna", Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 2 de outubro de 1956). Expressionista e utilizando-se da gravura, técnica muito pouco praticada e valorizada, mantendo-se ainda contrário à política cultural modernista, sua posição seria necessariamente marginal.
No entanto, isto não significa que a obra de Goeldi deixe de ser um dos produtos mais representativos da arte brasileira, justamente por constituir a outra possibilidade do espaço modernista. Sua profunda pertinência à arte brasileira está na sua vivência de fatores próprios à existência da arte na nossa sociedade e na sua capacidade de rearticulá-los produtivamente, indo desde a improvisação de procedimentos técnicos até os seus significados mais amplos: se o Modernismo buscou nacionalizar o internacional, Goeldi apreendeu no nacional sua dimensão universal. Carlos Zilio, "O outro do Modernismo", in Oswaldo Goeldi, Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica (catálogo de exposição). (textos publicados no catálogo da exposição "Bienal Brasil Século XX", Fundação Bienal de São Paulo, 1994) "A cor no modernismo brasileiro - a navegação com muitas bússolas" (...) Guignard e Goeldi, despreparados para os programas oficiais e para a banda de músicas da vanguarda ruidosa, foram marginais no modernismo brasileiro. Goeldi, com suas afinidades com o expressionismo alemão, jamais poderia ser confundido com um artista europeu.
Nem Munch nem qualquer expressionista alemão desenvolveu um método de construção da cor que pudesse ser comparado ao seu. Para Oswaldo Goeldi, Cobra Norato, de Raul Bopp, marca seu discreto contágio pela antropofagia. A obra faria parte da Bibliotequinha antropofágica a ser apresentada no Congresso Mundial de Antropofagia em Vitória (1929). Goeldi dedica sua edição a Tarsila. Formigas trafegam pelo texto.
Essa inesperada intromissão foi inspirada nas ilustrações de Pierre Pinsard para “Petits contes nègres pour les enfants des blancs” (Pequenos contos negros para os filhos dos brancos)30, de Blaise Cendrars, que em 1937, ano da edição de Cobra Norato, ofereceu um exemplar a Beatrix Reynal, com quem Goeldi vivia31. O corte de Pinsard é amaneirado, enquanto a formiga de Goeldi surge de talhos vigorosos. Os animais no livro europeu respeitam o território do texto, enquanto as formigas de Goeldi invadem a escrita como construção e curso da linguagem. Goeldi desenvolveu singulares processos constitutivos da cor. A xilogravura de Goeldi é pintura.
O artista criou uma complexa arquitetura da cor, delimitada inicialmente pelo corte. O entintamento da matriz é decisivo, já calculado na escavação da madeira até a fase da administração da quantidade e qualidade da tinta na mesma matriz. Recorre a transparências e superposições de impressões. A matriz também pode receber tinta preta para ser retirada, porém resíduos devem permanecer para a produção de sombra na própria cor. Inventa possibilidades, como colocar um papel colorido (podendo ser pintado pelo artista ou não) para que sua cor se filtrasse através da transparência do papel japonês, cujas fibras também têm valor plástico.
Esse suporte secundário, sendo laranja, filtra-se em ocre ou salmão claro, quebrando o branco agudo do papel. Cada cópia será, pois, uma experiência única. Goeldi constrói fisicamente a cor para realizar seus fins morais. A percepção afiada de Goeldi gera uma experiência fenomenológica da luz. Ferir a madeira é iluminação. O temário goeldiano é velhice, abandono, espera, solidão, frio, trabalho, fantasias noturnas. Instaura contrastes entre a temperatura sangüínea e fria, entre sangue e gelo ou entre o vermelho e verde.
A densidade de temperatura se obtém na relação com as áreas abertas negras e brancas. É possível pensar numa melancolia solar na obra de Goeldi, que não trata da floresta, da cidade soturna, da chuva, do mar bravio e dos interiores. É o caso de Sereia do mar e Guarás. Para Goeldi, a luz cegante, sofrida, excessiva, mínima, submetida à opacidade, filtrada pela umidade era a experiência fundamental, constitutiva do olhar como hipótese de apreensão do mundo. Carlos Drummond de Andrade cantou ser Goeldi o pesquisador da noite moral sob a noite física. É nesse mesmo país que João Cabral de Melo Neto escreve um poema chamado "Sol negro": "re-ser em tal escuridão é como navegar sem bússola".
A posição de Goeldi sobre o primitivismo aproximava-o dos expressionistas austríacos, como Kokoshka ("Eu não sou um selvagem. Eu teria que viver como eles para que a minha imitação fosse genuína."). Isso também explica sua longa amizade com Kubin. Não foi por se ver integrado com alguma cultura tribal, mas por perceber a distância do ambiente europeu, que Goeldi declarou que se sentia como Gauguin na ilha quando retornou ao Brasil em 1918, vindo da Suíça. Gauguin, diz Kirk Varnedoe, reflete a passagem da arte tribal do domínio das "ciências naturais", marcadas por Darwin, para o mundo dos valores estéticos ocidentais. O pai de Goeldi, um cientista, reorganizou a Sociedade Filomática de Belém (atual Museu Goeldi) como instituição científica, introduzindo o darwinismo nos estudos da Amazônia.
Vivendo nos trópicos, Goeldi não teve, como outros expressionistas, a relação utopista com as sociedades "primitivas". A infância em Belém e a figura paterna definem a impossibilidade de se seduzir pelo exótico. No espaço da utopia, Goeldi encontrou melancolia, fosse na selva ou na cidade. Notas: 30. Blaise Cendrars, Petits contes nègres pour les enfants des blancs, Paris: Au sens pareil, 1929. 31.
O exemplar encontra-se na Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro. (trecho do texto curatorial de Paulo Herkenhoff publicado no catálogo da XXIV Bienal de São Paulo, 1994)