Depoimentos
Se há, dentre os movimentos de vanguarda do começo do século 20, um que expressou a reação do indivíduo em face da sociedade moderna, já então marcada pelos primeiros sinais da massificação, este movimento foi o Expressionismo, de que a mais legítima expressão, no Brasil, foi Oswaldo Goeldi. Escrevo, agora, sobre esse mestre da gravura, a propósito do livro Oswaldo Goeldi na Coleção Hermann Kümmerly, recentemente lançado no Rio de Janeiro. O livro contém a reprodução de 150 desenhos e gravuras doados pelo artista, em 1930, a seu amigo de juventude Hermann Kürmerley, trabalhos esses que nos revelam os primeiros passos daquele que se tornaria o fundador da moderna gravura brasileira e o autor de uma obra gráfica que o situa entre os mais importantes gravadores contemporâneos. Uma parte das obras de Goeldi jovem pertence hoje a Raul Schmidt Phillipe, responsável pela publicação da mencionada obra. Devo assinalar a qualidade desses trabalhos de juventude que, sem plenitude da fase madura, já trazem a força expressiva do futuro mestre.
Conheci Oswaldo Goeldi nos anos 50, logo depois que me mudei para o Rio de Janeiro. Àquela altura, a gravura também sofria a influência de artista estrangeiros, americanos e europeus voltados para a renovação técnica e temática. Ele, convicto de sua concepção expressionista, fiel à valorização dos meios genuínos da gravar, sorria irônico: – Isso não é gravura, é estampagem. Goeldi se referia a um tipo de gravura – particularmente a que então fazia Fayga Ostrower –, usando grandes placas de madeira e impressa em cores. É que, para Goeldi, o uso da cor na gravura havia sido uma conquista difícil e lhe custara anos de trabalho e apuro. – A cor na xilogravura – dizia ele – deve ter um caráter próprio, diferente da cor na pintura ou na estampagem. A cor na gravura tem que ser “gravada”. E, de fato, quando se observam as gravuras dele em que aparece a cor, esta possui um caráter especial que lhe empresta expressão própria. Basta lembrar a célebre xilo Guarda-Chuva Vermelho, na qual a cor vermelha do guarda-chuva, ao mesmo tempo em que fulge como um relâmpago na composição de formas negras, integra-se na linguagem xilográfica do mesmo modo que as demais formas: a cor não está apenas impressa, mas efetivamente “gravada”.Ao afirmar que Goeldi era um legítimo expressionista, refiro-me precisamente tanto a essa entrega passional à expressividade intensa da obra criada, como também à exigência ética do trabalho artístico: a placa de madeira mal-lixada, o uso da palma da mão para calcar o papel sobre a chapa entintada. Enfim, a rejeição a todo e qualquer recurso técnico sofisticado que o afastasse da relação direta do artesão com sua linguagem genuína. Goeldi muito cedo tomou conhecimento das obras do expressionismo alemão, a que aderiu com entusiasmo, ao visitar uma exposição do grupo Der Blaue Reiter. O expressionismo, nascido de uma atitude de certo modo romântica em face da arte e da vida, rejeitava a civilização industrial e a ela opunha o retorno às fontes primitivas da cultura humana, em que se inclui a arte. A valorização do artesanato como meio de criação artística expressa também a contestação às novas técnicas industriais, que eram vistas pelos expressionistas como uma ameaça à verdadeira criação estética.Por isso mesmo, os artistas em que se inspiraram foram principalmente Vicent Van Gogh e Paul Gauguin, o primeiro por lhes indicar a ruptura com a visão objetiva do real, e o segundo por ter feito de sua própria vida um exemplo de rejeição à civilização européia moderna, ao transferir-se para a Polinésia, onde viveu o resto de sua vida. Sem fazer uma opção tão radical, os primeiros expressionistas alemães trocaram a cidade pela floresta, passando a viver e trabalhar às margens do lago Moritzburg. Nosso Goeldi entendeu a opção expressionista como uma busca da própria individualidade, do que há de mais autêntico no mais fundo de cada um de nós. A expressão dessa autenticidade seria o próprio objetivo do trabalho artístico. Por isso mesmo, não tinha sentido para ele, adotar, seja técnica seja tematicamente, os procedimentos de outros artistas, mesmo aqueles que ele mais admirava, como Gauguin e Munch, em cujas obras e postura estética se inspirou.Coerente com tal ponto de vista, não percebia nas vanguardas artísticas mais do que um experimentalismo inconsequente, que nada tinha a ver com o que considerava a verdadeira arte. Referia-se ironicamente ao jargão da época, quando os artistas falavam de suas “experiências”, afirmando que eles passavam a vida experimentando sem realizar efetivamente a obra. – Eles próprios dizem que suas obras são “experiências”, e passam a vida inteira “experimentando”, sem nunca chegarem a realizar a obra propriamente dita. Arte não é experimento, é realização – afirmava ele. Independentemente dessa atitude contrária ao espírito experimentalista que caracteriza a arte contemporânea, Oswaldo Goeldi foi um inovador, mas inovador que se preocupava em dar densidade e humanidade à sua obra de gravador. Outro aspecto a ressaltar na personalidade deste grande artista é a coerência que identifica a exigência estética do artista com o comportamento ético do homem – o homem que ele foi, modesto, íntegro e afetuoso. Ferreira Gullar - Qui, 10 de Dezembro de 2009 16:18 __________________________________________________________________________________________ Quando perdemos um amigo, ficamos mais pobres. Essa verdade sinto hoje com o desaparecimento de Oswaldo Goeldi. Essa pobreza não é só minha, mas também da gravura brasileira que perde nele o seu mais alto expoente. Recordando o amigo, vejo-o na obra que nos deixa e que é uma sincera resposta à vida que o rodeava. O tema constante de sua obra é o homem na sua fadiga de viver. As cenas que lhe serviam de motivo, ele as colheu nos aspectos quotidianos da vida; são gestos simples, gestos que se repetem indefinidamente. Mestre Goeldi, velho artesão, simples de coração e de meios, inscreveu na pele dura da madeira de fio todas as nuanças de seu temperamento de artista dotado, dono de uma visão trágica e silenciosa dos homens e das coisas. Sua obra é amor. Os pequenos lenhos gravados – sempre gravados com a simplicidade do velho artesão – nos revelam o silêncio recolhido do mar, toda aquela imensidão contida. Nas praias a figura isolada do pescador corta o horizonte tranqüilo do mar. Figura taciturna, paralisada no gesto comum do trabalho comum. No negro profundo das suas estampas, acende-se um grande sol vermelho ou um peixe enorme arqueja aos pés também salgados do pescador. O seu tema constante é o homem, ente humilde dentro de uma paisagem também pobre. Às vezes, ele nos dá o sortilégio dos pátios abandonados e das ruas desertas. Ele ama as ruas solitárias, onde cruzam personagens tão sós que não lhes quebram o silêncio. Outras vezes seus personagens contorcem-se, caricaturais. Eles não brotam da ironia, da mordacidade, mas de um grande amor com qual procura redimi-las. Creio que por isso ele foi o magistral ilustrador de Dostoievski. No aspecto formal de sua xilografia corresponde integralmente ao mundo que expressou. Grandes superfícies planas, raramente coloridas, onde a linha nervosa, incisiva e esquemática, quase bárbara, cria as figuras que pertenceram ao seu mundo próprio. A sua força expressiva está em permanecer autêntico, fiel a si mesmo, indiferente à crítica que largo tempo relegou. Considero que o estudo a sua obra é da máxima importância. Ela mostra que a singeleza do meio é força. Esta meditação se impõe no momento em que a força expressiva da gravura se dilui no truque que falseia o meio e o fim. Não pretendo fazer um estudo crítico da obra de Oswaldo Goeldi, quero apenas render minha homenagem ao querido amigo e grande artista que foi e que todos perdemos. Iberê Camargo - 1961 __________________________________________________________________________________________ Uma das mais fortes e curiosas exposições de arte que já vi foi improvisada num bar, depois da meia-noite, quase à hora crispante de se correrem as cortinas de aço. Apresentaram-me um rapaz anguloso, de nariz duro, olho metálico: o artista Oswaldo Goeldi. Um nome em branco para mim. O rapaz trazia uma pasta embaixo do braço. Sentou-se à mesa, abriu a pasta, e então, correu em volta de mão em mão uma estupenda coleção de gravuras em madeira e desenhos a pena e a lápis. Que emocionante surpresa! Todo um mundo interior riquíssimo abria-se ali, atestando uma força de concepção, uma magistralidade de traço, um senso dramático da paisagem urbana, que nos enchia de pasmo. A imaginação de Oswaldo Goeldi tem a brutalidade sinistra das misérias das grandes capitais, a soledade das casas de cômodos onde se morre sem assistência, o imenso ermo das ruas pela noite morta e dos cais pedrentos batidos pela violência de sóis explosivos, - arte de panteísmo grotesco, em que as coisas elementares, um lampião de rua, um poste, a rede telefônica, uma bica de jardim, entram a assumir de súbito uma personalidade monstruosa e aterradora. Um admirável artista. Mas donde saíra? Como viera? Por que assim inteiramente desconhecido? Oswaldo Goeldi nasceu em 1895, no Rio. Viveu a primeira infância no Pará. A riqueza da fauna e da flora que tinha diante dos olhos, alimentaram a fantasia do menino, da mesma forma que mais tarde as freqüentes viagens entre o Amazonas e o Rio, duas travessias à Europa, um poder de impressões diversas, portos, cidades, raças, - tudo o que a arte do homem refletiria depois com vigor insólito. Em 1915 iniciou-se em Berna em estudos químicos e agrícolas, mas o pendor para a arte levou-o a abandonar tudo, partindo para Genebra, bom centro artístico, onde naquele tempo existia ainda o grande Ferdinando Hodler. Ali, na Galeria Moos, via Goeldi quadros de Gauguin, Cézanne, Renoir, Van Gogh, Van Dongen, Signac... Já nessa época produzia muitos desenhos. Passou pelo atelier de Serge Pahnke e Henry Van Muyden, onde recebeu uma espécie de educação às avessas, pois naquele ambiente acadêmico se lhe formou uma profunda, definitiva antipatia contra essa arte morta, sem imaginação, sem alma, sem nervos. Os verdadeiros mestres de Goeldi foram aqueles artistas cujos quadros ele via na Galeria Moos; foi sobretudo a arte visionária de Kubin, o tcheco fantástico, o genial ilustrador de Poe, de Gérard de Nerval, de Barbey d’Aurevilly, do Livro de Daniel. Em 1920 voltou Goeldi ao Brasil, onde nunca realizou nenhuma exposição. Todavia tem trabalhado continuamente e só ultimamente a sua obra começou a ser conhecida. Tal o artista que apresenta neste álbum alguns exemplares de gravura em madeira, pelos quais se pode apreciar a sua força de intuição e temperamento. (1930) Manuel Bandeira Do livro "Andorinha, Andorinha", J.O., Rio, 1966, págs. 58/59. Apresentação do álbum "Dez Madeiras", de O. Goeldi. __________________________________________________________________________________________ " Oswaldo Goeldi - Discreto, econômico de palavras e de gestos, Goeldi ficou sendo uma figura especial e isolada no cenário da arte brasileira contemporânea. Trabalhou apoiado em convicções muito pessoais e o seu desempenho artístico resultou da procura exclusiva de soluções que atendiam tão-somente às suas necessidades expressivas. Solitário como homem e como artista, impregnou suas gravuras e desenhos com este modo de ser e de existir. Entre a vida e a obra estabeleceu uma extraordinária e comovente coerência. Para Otto Maria Carpeaux "a arte de Goeldi lembra um recurso raro de dramaturgia: o monólogo. É por definição uma arte silenciosa". Esta observação reúne de modo sintético e adequado a melhor definição do desenhista gravador. Nesta arte silenciosa e quieta, o dia e a noite, a luz e a sombra, a vida e a morte pertencem a um espaço soturno onde uma espessa atmosfera de abandono e solidão, carregada de lirismo, envolve personagens cativos de um desígnio dramático. " Renina Katz __________________________________________________________________________________________ A luz na gravura de Goeldi resulta de cortes preciosos sem virtuosismos ou ornamentos excedentes. Ela aparece como contraponto para as penumbras e sombras, exaltando magistrais contrastes que foram a marca permanente do artista. A cor, por sua vez, cumpre a função de acentuar as vibrações luminosas que geram as tensões da imagem. A cor não tinge nem colore. A cor marca um valor intermediário nas relações dos valores acromáticos; ela pontua como um elemento de ruptura da imobilidade das formas, como se fosse um grito. O desenho para Goeldi converteu-se em um instrumento indispensável para aprofundar o que ele chamava meios de expressão. Temia que o gravador que dispensasse o exercício do desenho ficasse preso nas malhas da técnica, "trocando os meios pela finalidade". É por meio de desenho que o artista se habilitou para a captação do mundo visual que, mesclado aos seus sonhos, constituiu a matéria para a criação do seu universo gráfico fantasticamente melancólico e pungente. Goeldi tinha posições muito claras e firmes em relação ao seu procedimento artístico. Em entrevista a Ferreira Gullar, publicada no Jornal do Brasil, 12.1.57, indagado sobre o que seria inovação em arte, respondeu: "não se deve confundir experimentos técnicos com a verdadeira inovação. Todo artista realmente criador inova, e isso porque ele amplia seus meios na proporção de sua necessidade de expressão". A moda e as novidades não faziam parte de suas preocupações. Escolheu ou encontrou um caminho, no qual mergulhou sem nunca perder o sentido de aprimoramento. Era um artista moderno no sentido que Lívio Abramo entendia: "um artista que conhece as forças que movem o mundo". Convencido do que deveria fazer e obter como artista, não se sentiu atraído pelas discussões e polêmicas sobre os rumos da arte contemporânea. Seguiu sua trajetória como se o seu destino artístico já estivesse traçado e dele não se propusesse escapar, pois havia sido, também, uma escolha e um ato de fé. Expressionista inconfundível, tanto na fatura como no imaginário, Goeldi tem como tema constante a condição humana, que ele revela por meio de imagens densamente embebidas no assombro e na perplexidade. Nos seus desenhos e gravuras não há redundâncias. A escassez parece as~umir quase que um sentido ideológico. Na obra e na vida. Certa vez disse a RacheI de Queiroz que a pobreza era a sua liberdade. Frase que se ajusta perfeitamente à postura do expressionista que se deixou tocar por um certo sentimento romântico, ao menos no que se refere ao gosto pelo dramático. Goeldi viveu na Suíça dos seis aos vinte e quatro anos e, evidentemente, o peso de sua formação repousa em padrões europeus, com repercussão evidente em sua obra artística. Serviu como soldado na guerra 1914/1918, o que o obrigou a interromper seus estudos politécnicos em Zurique. Ao voltar das trincheiras não retomou a politécnica, preferiu ingressar na École des Arts et Métiers, em Genebra. Nesta época, 1917, freqüentou também o atelier de Serge Pahnke e Henri van Muyden. 1919, regressou ao Brasil e sua adaptação foi penosa. Não era o filho pródigo que à casa tornara. Os 18 anos vividos fora do país faziam dele quase um estrangeiro. Tanto assim que seu trabalho despertou interesse somente em um grupo de intelectuais e artistas atentos, como Álvaro Moreyra, Manuel Bandeira, Aníbal Machado, Di Cavalcanti, entre outros. Deles recebeu estímulo e respeito. 1 Goeldi expôs pela primeira vez no Brasil, em 1921, no Liceu de Artes e Oficios do Rio de Janeiro. Seu trabalho rico de recursos gráficos e pobre de apelos visuais fáceis não encontrou por parte do público e da imprensa especializada a acolhida merecida. Um clima de abandono e desamparo abrigava uma mensagem de ternura pelo mundo e pelos seus sofridos habitantes. Os temas para seus desenhos e gravuras eram densos e tristes. Temas de aceitação dificil. O fato de a arte sobre papel não gozar de muito prestígio, constituiu agravante para a pouca circulação e divulgação de seu trabalho. Não se deixava afetar por gostos ou preferências estilísticas orientadas pelo mercado de arte. Pagou caro por esta indiferença. Foram necessários muitos anos para que o padrão de qualidade do seu trabalho fosse reconhecido como sendo de primeira linha. Em compensação, sua intransigência era tida como modelo de firmeza e liberdade pelos jovens artistas da década de 40/50. A sua sobrevivência cotidiana foi assegurada pelas ilustrações para jornais, revistas e uma vintena de livros. Não havia perda de qualidade das gravuras e desenhos pelo fato de serem destinados a ilustrações para reprodução. A autonomia do processo de criação sempre foi resguardada e defendida, mesmo nas obras realizadas para atender encomenda. Suas gravuras originais, de tiragem pouco numerosa, tiveram alguns colecionadores, raros, que, como Mendes Caldeira, se anteciparam ao reconhecimento histórico da importância de Goeldi. ! Em 1951, o artista foi convidado para participar da primeira Bienal de São Paulo,quando ganhou o 1. Prêmio de gravura para artistas brasileiros. Sobre o prêmio, Goeldi comentpu: "que surpresa a minha ao receber a notícia de tão alta distinção - com 65 anos, fora da moda e ainda premiado. Parece sonho. É verdade que sempre acreditei em conto de fadas". Não era falsa modéstia ou subestimação. Acreditava finnemente na validade do seu trabalho, mas não fez dele trampolim para o sucesso, não era essa a sua aptidão. Gravava e desenhava como se fosse uma missão que deveria ser cumprida com rigor e beleza. E assim foi. Renina Katz __________________________________________________________________________________________ "O desenho e a xilogravura foram meios excelentes para o projeto artístico goeldiano. O preto e o branco, os semi-tons que não chegam a ser cinzas, formam um compacto repertório de elementos gráficos suficientes para que possam acontecer: "as diferentes espécies de treva ,..; em que os objetos se elaboram: a treva do entardecer e a da manhã; a erosão do tempo e do silêncio ! a irreal idade do real". Carlos Drummond de Andrade. __________________________________________________________________________________________ Oswaldo Goeldi tinha um lado extremamente romântico, era o cara de olhar a tempestade. Uma vez saímos e ele disse: "puxa, eu te procurei; tentei te localizar lá na casa de um amigo que tinha telefone". Mas ninguém tinha telefone; ele também não tinha, mas tentou me localizar porque ele disse que tinha uma nuvem em cima da lua que dava um bicho tão maluco que eu te procurei, desesperado para que você visse que eu estava vendo o bicho na lua. Bom, c; claro: Ele era uma pessoa... mas ele era absolutamente violento com as convicções dele. Eu vou contar uma história que é divertida. Alguém, de safadeza, acho que o Darel, levou para ele um livro de desenhos de Picasso, parodiando o Cranach. O Goeldi começou: " isto é um desenhista. Você vê, '" um Cranach é um Cranach". Daí o Darel falou: " Goeldi, mas este é um Picasso". Ele disse: " este homem é diabólico". Ele ficou louco de ser ludibriado pelo Picasso e, de fato, ele não perdoava o Picasso '" disse que o Van Gogh era um vagabond sentimental. Então ele disse que essa frase do Picasso o opôs a ele para a eternidade. " Nunca mais quis aceitar a opinião de Picasso a respeito de coisa alguma" . Marcelo Grassmann __________________________________________________________________________________________ "Que estranho homem será esse que resolve as nossas emoções mais subterrâneas com figuras de pavor, de solidão e tristeza. Que sortilégio especial emana daqueles quadrados escuros saídos da madeira e que nos gritam um apelo tão profundo e dramático, despertando inesperadas ressonâncias? " Raquel de Queiroz __________________________________________________________________________________________ "Resolvi trabalhar com Goeldi, um homem que dava liberdade, dizia como fazer, que a gente realizasse aquilo que vinha de dentro, aquilo sim! Fiz planos para no ano seguinte me matricular em gravura com Goeldi. (...) fui à Escola na Quarta-Feira de Cinzas, para realizar a matrícula. Para minha triste surpresa, d. Alda, funcionária da Escola, me avisou da morte de Goeldi e do seu enterro, naquele dia, às 16 horas. Fiz um desenho do enterro de Goeldi. Estava chovendo nesse dia e fiz figuras com guarda-chuvas. Sendo assim, fui ser aluna de Adir Botelho. Comecei a gravar, gravar, gravar com toda a vontade. Mas não mostrava tudo o que fazia ao Adir, pois nunca considerava como pronta a minha gravura. Nem sempre eu conseguia o que queria! Gostava tanto da gravura do Goeldi, com aqueles pretos todos! Comecei, então, a sonhar com o Goeldi, que me disse para colocar uma certa gravura no Salão. Não falei nada para o Adir. Fiquei quieta. Assim, com dois meses de aula de gravura, eu já estava no Salão de Arte Moderna. O Adir reclamou de eu não lhe ter mostrado a gravura, mas expliquei o que se passara. Fiz o curso em três anos e me diplomei. Nessa época, a Laís Aderne, minha irmã, ia para a Europa e me indicou para substituí-la na Escolinha de Arte do Brasil. Isa Aderne - Sesc Tijuca, 27 de fevereiro de 1986 __________________________________________________________________________________________ Quando perdemos um amigo, ficamos mais pobres. Essa verdade sinto hoje com o desaparecimento de Oswaldo Goeldi. Essa pobreza não é só minha, mas também da gravura brasileira que perde nele o seu mais alto expoente. Recordando o amigo, vejo-o na obra que nos deixa e que é uma sincera resposta à vida que o rodeava. O tema constante de sua obra é o homem na sua fadiga de viver. As cenas que lhe serviam de motivo, ele as colheu nos aspectos quotidianos da vida; são gestos simples, gestos que se repetem indefinidamente. Mestre Goeldi, velho artesão, simples de coração e de meios, inscreveu na pele dura da madeira de fio todas as nuanças de seu temperamento de artista dotado, dono de uma visão trágica e silenciosa dos homens e das coisas. Sua obra é amor. Os pequenos lenhos gravados – sempre gravados com a simplicidade do velho artesão – nos revelam o silêncio recolhido do mar, toda aquela imensidão contida. Nas praias a figura isolada do pescador corta o horizonte tranqüilo do mar. Figura taciturna, paralisada no gesto comum do trabalho comum. No negro profundo das suas estampas, acende-se um grande sol vermelho ou um peixe enorme arqueja aos pés também salgados do pescador. O seu tema constante é o homem, ente humilde dentro de uma paisagem também pobre. Às vezes, ele nos dá o sortilégio dos pátios abandonados e das ruas desertas. Ele ama as ruas solitárias, onde cruzam personagens tão sós que não lhes quebram o silêncio. Outras vezes seus personagens contorcem-se, caricaturais. Eles não brotam da ironia, da mordacidade, mas de um grande amor com qual procura redimi-las. Creio que por isso ele foi o magistral ilustrador de Dostoievski. No aspecto formal de sua xilografia corresponde integralmente ao mundo que expressou. Grandes superfícies planas, raramente coloridas, onde a linha nervosa, incisiva e esquemática, quase bárbara, cria as figuras que pertenceram ao seu mundo próprio. A sua força expressiva está em permanecer autêntico, fiel a si mesmo, indiferente à crítica que largo tempo relegou. Considero que o estudo a sua obra é da máxima importância. Ela mostra que a singeleza do meio é força. Esta meditação se impõe no momento em que a força expressiva da gravura se dilui no truque que falseia o meio e o fim. Não pretendo fazer um estudo crítico da obra de Oswaldo Goeldi, quero apenas render minha homenagem ao querido amigo e grande artista que foi e que todos perdemos. Iberê Camargo __________________________________________________________________________________________ Depoimentos de Oswaldo Goeldi "Eu moro aqui, ao lado do mar, na baía mais afastada do Rio, 'Praia de Ipanema-Leblon'. Das poucas casas que de vez em quando aparecem neste deserto de areia, pode-se ver quase que só os telhados. Ventos fortíssimos, chegando do mar, varrem estes desertos imensos e vazios, uivando e empurrando com força enormes nuvens de areia. Rangendo, lanternas dependuradas no alto dos postes são jogadas para lá e para cá, e os fios da rede elétrica, tensos até arrebentar, fazem um ruído ameaçador - o tilintar de vidros quebrados aumenta assustadoramente esta barulheira diabólica. As gaivotas lutam, com toda a força de suas asas, contra estes ventos ferozes de tempestade - apesar do forte bater das asas não conseguem avançar nem um centímetro. Pegas pelo vento, numa evolução lateral, são atiradas como flechas por cima de uma superfície de mar revolto - as pontas das asas quase tocando as espumas das ondas. Um lugar assim, caro Sr. Kubin, certamente iria lhe agradar. O mar é tão lindo na luz do sol, tão cristalino, que a gente sente o coração mais puro. O quarto que aluguei tem uma porta e uma janela - a largura dele é a largura da casa. À noite, abrindo tudo, tenho a sensação de estar deitado debaixo de céu aberto." Oswaldo Goeldi Rio, 16 de dezembro de 1930 GOELDI, Oswaldo. Correspondência a Alfred Kubin (Rio, 16 / 12 / 1930). In: RIBEIRO, Noemi Silva (Org.). Oswaldo Goeldi: Um auto-retrato. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1995. p.166. __________________________________________________________________________________________ "Os horizontes infinitos que se abriram para mim ao contemplar a abundância dos seus [Kubin] trabalhos - 1930 na minha tão curta visitinha a Wernstein - e as palavras bondosas que o senhor me dirigiu obrigam-me a ser-lhe eternamente grato. O que na ocasião me pareceu novo, nos seus trabalhos, era o comovente - a emoção que transmitem, ao contrário de outras criações, que nos agradam mais pelo seu alcance. Não sei se consegui me fazer entender. Foi uma experiência fortíssima para mim. Alguns dos trabalhos de Munch, e, principalmente, os desenhos de Van Gogh me falam intimamente. Nos trabalhos de Van Gogh sente-se o nervo exposto, dolorido, mas me agradam muito. Porém, ninguém tem como o senhor esta envergadura, esta riqueza; ninguém exprimiu tão fortemente o seu eu mais íntimo - isto eu digo sem entusiasmo cego." Oswaldo Goeldi Rio, 8 de maio de 1933 __________________________________________________________________________________________ GOELDI, Oswaldo. Correspondência a Alfred Kubin (Rio, 8 / 05 / 1933). In: RIBEIRO, Noemi Silva (Org.). Oswaldo Goeldi:u m auto-retrato. Organização Sérgio Laks. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1995. p.170. "Só Deus sabe quantas vezes eu pensei no que será o 'dia-a-dia de Goeldi'. Que me contou do clima, do mato verde, das andanças noturnas, do vaguear diurno, de excitantes verduras e frutas tropicais, etc. Mas, na pequena folha que mostra uma mesinha na beira-mar, o senhor realizou uma coisa até agora nunca vista - está vindo 'aquilo' - a noite profunda - foi 'uma vida realizada'." Última carta de Alfred Kubin a Oswaldo Goeldi 7 de janeiro de 1951 in Carta de Alfred Kubin a Oswaldo Goeldi, 7. jan.1951. in ZILIO, Carlos (org.). Oswaldo Goeldi: Rio de Janeiro: Solar Grandjean Montigny, [s.d.]. p.28. __________________________________________________________________________________________ Outros Textos: Mario de Andrade : Oswaldo Goeldi - Diário Nacional - São Paulo - 22/09/1929 Oswaldo Goeldi : Diário Nacional - São Paulo - 08/02/1930 Jorge Amado : Mestre Goeldi - Jornal Hoje - Rio de Janeiro - 18/09/1960 Rubem Braga: Assim é Goeldi - O Globo - Rio de Janeiro - 11/09/1960 Mario et. al. Barata : Goeldi, Macunaíma (numero especial dedicado à Oswaldo Goeldi) escola Nacional de Belas Artes - Rio de Janeiro- 04/08/1961 Raquel de Queiroz : O Goeldi de Reis Júnior - O Cruzeiro - Rio de Janeiro - Coluna Última Página - 02/1966 Goeldi em testemunho - Jornal A Tarde - Salvador - 27/01/1967 Murilo Araújo : Oswaldo Goeldi - Jornal do Comércio - Rio de Janeiro - 04/08/1971 Anna Letycia Quadros - Entrevista: Anna Letycia fala de seu professor Oswaldo Goeldi - Correio da Manhã - Rio de Janeiro - 10/09/1971 Raquel de Queiroz : Oswaldo Goeldi artista brasileiro - O Cruzeiro - Rio de Janeiro - 11/03/1971 Beatrix e Goeldi - O Cruzeiro - Rio de Janeiro - 23/03/1971 Beatrix Reynal : Beatrix Reynal fala de Oswaldo Goeldi - Jornal do Comércio - Rio de Janeiro - 17/09/1971 |
|